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ARTIGO – Viagem de três horas – um pulinho



Dom Walter Ebejer, Bispo Emérito de União da Vitória, escreve sobre um tempo e um lugar, que o progresso transformou: 50 anos atrás, no interior de Goiás, perfazendo seus trajetos pelo mato, em lombo de cavalo ou mula, para realizar seu sonho missionário. Batina branca, coragem, e muita disciplina, um frei dominicano.

Conta fatos interessantes quanto aos usos lingüísticos da região. Como estrangeiro teve que passar por um processo gradativo de adaptação. Não entendia, por exemplo, “m dá um santim”, dito pelas crianças quando passavam por ele. Por isso dedicou-se ao estudo urgente de nossa língua. Aprendeu muitos sinônimos e preocupa-se em empregá-los de forma adequada. Cuida da linguagem, das conotações, e escreve muito bem. O autor relata seu método para aprender bem rápido a língua portuguesa, seu instrumento de trabalho, como sacerdote: “… dedicando-me de manhã à gramática portuguesa (num livro escrito em inglês); à tarde, a exercícios e vocabulário, e à noite, treinando meus ouvidos, escutando as emissoras locais.”

Muito culto, recém-ordenado padre, na Inglaterra, conta o vazio que sentira, durante o período que teve que esperar pela chegada de sua preciosa caixa de livros. É um testemunho valioso para todo leitor, digno de ser imitado, pois os livros ajudam a nos construir continuamente: “…eu não tinha imaginado a falta que iam fazer meus queridos livros.” Dom Walter compara a sensação que teve com o que se passa com um fumante ou alcoólatra quando lhes falta o elemento do vício. Talvez seja o que sente o homem pós-moderno privado de sua tevê ou de seu computador.

Havia costumes raros, como o de deixar a porta da frente da casa aberta, para que as pessoas entrassem, sem precisar chamar, ou sem serem convidadas. Interpretações ingênuas sobre o trabalho do padre, que teria vindo ao Brasil “para ganhar mais dinheiro”.

Uma jardineira encalhada em pinguelas e troncos; muita farmácia e pouco atendimento médico; caminhões tombados; chapéu de abas largas; a segurança durante as viagens… Quantas fortes reminiscências!

As ferraduras com salto, para que os animais não machucassem as patas, tantas eram as pedras soltas no caminho. Em vez de sino, o sinal de que estava na hora da celebração, e de que o sacerdote havia chegado, eram foguetes. O povo começava a se entusiasmar com a assiduidade das orações, das visitas às famílias, das cerimônias festivas, procissões e tudo mais.

Por vezes, o pânico, mais que medo, domina a situação; outras vezes, são cenas engraçadas. Tudo escrito com detalhes, fazendo-nos sentir naquele contexto. O autor é fiel a suas vivências, não omitindo detalhes, de forma que, embora subjetivo, o relato é verídico, pelo menos do ponto de vista do narrador.

O tempo cronológico (1958-60) funde-se ao psicológico, muito maior. É óbvio que daria mais volumes de publicações, e o autor teve que fazer uma seleção de passagens, a partir de temas dominantes, como: “As vezes em que eu poderia ter morrido; Peripécias nas viagens a cavalo ou a mula; Episódios da atividade sacramental”.

Assim se revela mais uma face de nosso irmão, Dom Walter, que convive conosco, há tantos anos, realizando suas atividades pastorais e escolhendo, mesmo aposentado, continuar conosco. Por mais esse gesto de carinho, somos gratos ao Missionário maltense, que veio desbravar o sertão espiritual, no Brasil. As florestas sem fim já foram devastadas, mas a sede pelo amor a Deus e aos irmãos, não. A obra escrita com a vida continua.

Observação: Eu, meu Deus e minha Mula será solenemente lançada pela Academia de Letras do Vale do Iguaçu, dia 12 de dezembro, às 19 horas, na Casa Cultural Aníbal Kury (Castelinho), Porto União. Toda a comunidade está convidada para esse significativo momento na vida do confrade, Dom Walter Ebejer.



*Mestre em Lingüística Aplicada, membro da Academia de Letras do Vale do Iguaçu (Alvi), professora de Língua e Literatura nos cursos  de Secretariado Executivo e Comunicação Social, e presidente do Conselho Editorial da Uniuv.

Esclareça suas dúvidas. Mande sugestões para esta coluna pelo e-mail prof.fahena@uniuv.edu.br

Esse texto foi originalmente publicado na coluna Questões de Estilo, da edição impressa nº. 2.024, e na edição on-line nº. 524 do Jornal Caiçara, de 5 de dezembro de 2008.

por: UNIUV

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